É provável que quase todo tutor já desejou poder se comunicar com o seu animal de estimação, entender o que o pet está pensando ou o que ele sente — seja emocional ou fisicamente —, e poder transmitir ao animal aquilo que gostaria de dizer. São inúmeras as possibilidades.
Apesar de os animais conseguirem identificar certas palavras ou comandos que os tutores emitem, não se pode estabelecer uma comunicação verbal com os pets. No entanto, e se for possível se conectar mentalmente com os bichanos?
A comunicação intuitiva promete atender este desejo. Nela, acredita-se que humanos e animais podem se entender de forma mais clara e direta, como se conversassem através da mente. Para entender como funciona o conceito e para que serve a comunicação intuitiva com animais, o Canal do Pet conversou com a médica-veterinária especialista em comportamento animal , Sabina Scardua.
“A comunicação intuitiva ou comunicação telepática envolve uma série de técnicas que permitem acessar a consciência do animal e, então, entender como ele está fisicamente, emocionalmente, como se sente com determinadas pessoas, outros animais e situações; o que querem, o que precisam, o que não gostam”, afirma a especialista.
Cada animal, independentemente da espécie, é um ser único, com personalidade individual, anseios e dificuldades particulares. Por isso, segundo Sabrina, o verdadeiro bem-estar animal passa pelo nível individual, e entender isso ajuda na hora de se comunicar com o bichano.
“Não dá mais para fazermos tantas generalizações, como todo gato gosta de sachê e todo cão gosta de passear. É importante reduzir o ruído de comunicação que existe entre nós e os animais, decorrente do uso apenas do comportamento e da nossa fala verbal, que eles entendem de forma bem limitada”, defende.
Para a veterinária reikiana um dos problemas que mais ocorrem é o tutor tentar deduzir o que o animal sente, ao invés de tentar realmente entendê-lo. “Os tutores ficam no campo das deduções, do que se passa com o animal e, às vezes, geram relacionamentos completamente ilusórios, em que o tutor acha que o animal gosta ou sente uma coisa, quando não é bem isso.”
Sabina exemplifica com uma situação comum no cotidiano de um tutor com seu animal de estimação: o xixi . Cães e gatos transmitem mensagens uns para os outros por meio da urina e, por isso, eles podem tentar fazer o mesmo para transmitir uma mensagem ao tutor que, geralmente, não é capaz de compreender.
“O tutor achava que o animal estava fazendo xixi dentro de casa por pirraça, enquanto na verdade ele estava apenas frustrado e queria mostrar isso para o tutor através da urina”, aponta.
Ela continua: “Quantas vezes eu explico telepaticamente para os animais que nós humanos não conseguimos saber todas as informações que eles sabem através do odor da urina? Como eles poderiam adivinhar que nós não temos o olfato como o deles?”
“Quando alguém não nos ouve, falamos mais alto, não é? Então, eles fazem mais xixi, ou fazem mais perto. Isso não é a causa de todos os xixis dentro de casa, existem muitas outras. É um exemplo que mostra como a comunicação é importante para o bem-estar animal”, reforça a veterinária comportamentalista.
O que um animal pode te contar
Em alguns casos, diz Sabina, o animal sugere o que pode ajudar seu corpo, o que ele está sentindo falta, do que precisa exatamente; já em outros, mostra o que não está bom. Essa comunicação pode ajudar o tutor a entender desde pontos mais simples, até os mais complexos.
“Às vezes são coisas simples [que os pets estão demandando], como mover a cama de lugar, ou ajeitar a altura da caixa de areia. Ele pode querer passear menos, porque está inseguro; pode mostrar que está confuso; que tem tido tonteira; incômodo articular; e tantas outras questões que não conseguimos captar no dia a dia para ajudá-los. A comunicação evita sofrimentos desnecessários.”
Por mais que pareça “coisa de outro mundo”, a especialista aponta que para aprender a comunicação intuitiva não é preciso nenhum requisito além de saber que os animais são seres completos, complexos e dotados de um corpo emocional, físico, mental, energético e espiritual, que têm essências diferentes, personalidades únicas, anseios de alma particulares e formas de ver o mundo diferentes da nossa.
“É necessário apenas respeito por estes seres e vontade de se conectar com eles de forma verdadeira. São técnicas específicas simples e aprendíveis”, explica Sabina, que além de aplicar a metodologia no seu trabalho como veterinária também dá aulas de comunicação intuitiva para tutores.
Por que os animais são considerados “seres irracionais”?
Por mais que a discussão sobre o fato de os animais terem consciência e serem seres sencientes, ou seja, que sofrem e sentem emoções, ainda é muito difundido que os bichanos são apenas “seres irracionais”.
O uso de animais domésticos como “ferramentas” ainda é muito comum entre os humanos, seja em um animal usado para levar cargas pesadas, transporte humano, atração turística ou para testes em laboratórios.
Segundo Sabina, “este é um assunto bem complexo e não é só a questão econômica que está em jogo, mas também uma questão fortemente cultural, que sabemos que envolve gerações para uma mudança significativa.”
“Assim como a visão sobre os escravos e sobre a mulher na sociedade demorou anos para mudar, e ainda hoje convivemos com preconceito contra a mulher e preconceito racial, a visão sobre os animais já mudou bastante, mas até que o entendimento seja completo, ainda vai um tempo”, afirma.
Ela continua: “A postura governamental, com novas leis, é necessário, assim como foi para a questão dos escravos e das mulheres. A Espanha avança bastante nestas leis. As diretrizes internacionais de bem-estar animal também avançaram significativamente para os animais de produção, com a grande ajuda da pesquisadora Temple Grandin nos últimos 20 anos. Esperamos que a comunicação animal ajude a acelerar este processo também.”
A reikiana cita a declaração de Cambridge, de 2012, sobre a consciência animal, que indica, segundo a especialista, que não é mais possível o entendimento de que os animais são irracionais.
“Falar que os animais são irracionais não é mais aceitável, não dá para bater nesta tecla, mas entendo que muitas questões estão em jogo e uma parcela da população talvez nunca vá entender ou aceitar, mesmo que seja verdade”, defende a profissional.
Como se explica a comunicação telepática?
A “comunicação telepática”, como costumamos ver nos filmes, não é exatamente como um diálogo verbal (falado) que ocorre dentro de nossas mentes. Sabrina explica que na telepatia podemos receber a informação de, pelo menos, quatro maneiras:
“Através da clarividência, onde vemos uma imagem na cabeça. Por exemplo: se pergunto por que não bebe água, vem a imagem do pote de água perto da janela na minha cabeça. Então, explico a imagem para o tutor e com minha experiência deduzo que o problema está na localização do pote. O tutor pode experimentar outros locais da casa para potes de água.”
“Através da clariaudiência, onde escutamos um tipo de fala dentro da nossa cabeça, nesta fala conseguimos também identificar o jeito, um pouquinho da personalidade, do estado emocional. Esta forma corresponde a menos de 30% das comunicações. Por exemplo, quando pergunto por que não bebe água, o animal responde ‘porque não tenho sede e faço só o que tenho vontade’, com um tom prepotente ou brincalhão.”
“Através da clarisciência, onde em um instante não sabemos a resposta e após perguntar simplesmente sabemos a resposta. Ela brota na mente, sem fala, sem visão, você apenas sabe. Por exemplo, na pergunta sobre água, de repente entendemos que o animal está com dificuldade de acessar o pote de água, por uma questão de hierarquia. Outros animais estão impedindo de forma discreta, um tipo de bullying. O comunicador não adivinhou ou intuiu, o animal enviou a informação a ele, porque ele sabe após perguntar ao animal.”
“Através de empatia simples, que envolve muitas vezes o chacra solar. Por exemplo, vem uma tristeza após perguntar por que não bebe água, o animal está deprimido, você se sente triste e deprimido por um instante, é a resposta.”
“Através de outros tipos de emanações, entrelaçamentos e onipresença consciencial. Por exemplo, ao perguntar sobre água, você sente enjoo e vontade de vomitar, ou dor de cabeça, ou um gosto ruim na boca. Sensação vem no corpo.”
Sabina destaca ainda que os vários tipos de comunicação se misturam e se complementam, em um telepata experiente. “O nível consciencial do animal para comunicar varia bastante. Tem animais com mais e menos habilidades, animais que discorrem de forma profunda e sábia sobre algo até os mais inocentes que apenas conseguem mostrar como se sentem emocionalmente para as diferentes questões, mas todos conseguem se comunicar em algum nível e geralmente são muito receptivos.”
Ela continua: “Eles têm mais facilidade de conectar telepaticamente do que nós, por isso se conectam com os tutores, sem que os tutores o façam. Então muita coisa que o tutor acha que intuiu, na verdade foi o animal enviando a informação para ele. Em outros casos o tutor se espanta de como o animal se esconde quando ele apenas pensa em dar o remédio ou levar para o vet. É claro que nestes casos, onde o animal está conectado, mas o tutor não está conectado conscientemente, muita coisa pode ficar confusa para o animal, já que nossa atividade mental é muito dinâmica.”
“Algumas vezes o animal apresenta o mesmo sintoma físico que o humano. Muitos vídeos pela internet mostram animais mancando “em solidariedade”, o que pode ser explicado por reforço comportamental positivo, mas em alguns casos o animal pode estar realmente sentindo a mesma dor, não por solidariedade, mas por conexão ativa. Assim como eu sinto a dor deles quando conecto com eles. Muitos animais não dominam este liga desliga e podem sofrer junto com o tutor.”
Como funciona a comunicação para as diferentes espécies?
Sabina explica que, apesar da diferença entre as espécies, como caninos, felinos, equinos e aves, por exemplo, a comunicação é exercida da mesma forma, usando das mesmas técnicas.
”As técnicas são as mesmas para todas as espécies. Eu trabalho predominantemente com cães e gatos, mas já atendi cavalos, tartarugas, porquinho da índia, calopsitas, papagaios, coelho e até alpaca. Existem variação de sofisticação de personalidade e profundidade entre indivíduos, mas não entre espécies. Já conheci calopsita super sábia e gato bem inocente”, diz a comunicadora.
Sabina afirma que um comunicador não tem dúvida quando acontece uma comunicação e que a resposta é imediata, em uma comunicação telepática de perguntas e respostas. “Nas primeiras vezes, geralmente você se surpreende, porque reconhece que aquilo não é seu.”
“É como quando éramos adolescentes e ligávamos para casa de alguém querido, sabendo que ele poderia atender, uma vez que estamos ligando, mas, mesmo assim sentíamos um frio na barriga quando ouvíamos o ‘alô’. No curso trabalhamos com as alunas a dúvida e insegurança inicial que algumas têm, que faz parte do processo de adentrar algo novo, mas todas superam após algumas comunicações”, complementa.
Como a comunicação intuitiva pode ajudar no comportamento do animal?
Quando um tutor deseja corrigir um comportamento que considera “indesejado” no pet, como pular nas visitas, fazer as necessidades no lugar errado ou destruir objetos pela casa, o natural e recomendado é que se busque o auxílio de um adestrador comportamental.
Mas e para entender o que leva esse animal a ter tais comportamentos? Geralmente ocorre quando o pet é deixado sozinho, o que pode deixá-lo entediado, estressado, ou mesmo com o sentimento de que foi abandonado, gerando a conhecida ansiedade de separação.
Assim, o pet pode tentar passar uma mensagem que o tutor não entende e, por isso, acaba repetindo o comportamento por várias e várias vezes.
Sabina diz que a comunicação auxilia o animal a entender algumas coisas, como por exemplo, “quantos dias vai durar uma viagem, por que estão arrumando todas as coisas, para onde vão se mudar, mas o principal na comunicação é entendermos o estado emocional real do animal, quais são suas dúvidas, o que causa aflição e do que precisam para se sentir melhor e a partir destas informações, ajustes podem ser feitos no manejo e o tratamento comportamental adequado, na intensidade e frequência adequadas, podem ser implementados com segurança e eficácia.”
Ela exemplifica com possíveis situações que ocorrem no cotidiano de um animal. Quando perguntamos como se sente sozinho em casa:
“Um animal mostra que se sente triste sozinho – neste caso podemos pensar na possibilidade de outro animal para fazer companhia.”
“Outro animal mostra que se sente ofendido, diminuído, não entende porque não pode ir: neste caso arrumar outro animal pode ofendê-lo ainda mais, pois há uma questão de vínculo com o tutor a ser trabalhado.”
“O animal mostra pânico por dependência emocional com o tutor – o que precisará de protocolo de tratamento de ansiedade de separação junto com ajuda emocional, como floral ou até mesmo fármaco.”
“Outro mostra medo exacerbado, basta alguém estar com ele, qualquer um, e estará tudo bem – então podemos pensar em creche, diarista.”
“Outro mostra trauma de ficar preso sozinho, porque já ficou assim e passou fome, sede – então será feito o tratamento com técnica de abundância de recursos. E assim vai…”
Sabina esclarece ainda que a comunicação por si só pode levar algumas respostas para o animal, mas não é como se fosse possível simplesmente “virar uma chave” para mudar uma situação, como quando o animal sente medo de algo que não há necessidade.
“Não funciona assim: ‘Explica pra ele que não precisa ter medo’. Porque ele [animal] não escolhe ter medo. É como falar para alguém que vai descer uma montanha russa que não precisa se assustar ou gritar. Ou dizer para alguém parar de roer unha. Ele está fazendo isso porque tem toda uma conjuntura física, mental, emocional envolvida, então precisa de ajuda. A comunicação não está focada em fazer nenhuma exigência para o animal, e sim entendê-lo mais profundamente para conseguir ajudá-lo da melhor forma, com amor, compaixão e sabedoria, para o real bem-estar”, finaliza Sabina Scardua.